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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O Caçador e o Jardineiro

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Escrito por Marcos Fabrício Lopes da Silva
Ter, 02 de Fevereiro de 2010 16:31



O poder tem ficado fora da esfera da política e se concentrado cada vez mais no campo econômico. A atividade do planejamento a longo prazo tem sofrido um processo de decadência, pois se vive uma época de culto à velocidade, fruto de um imediatismo processual que celebra o alcance dos fins sem dimensionar a qualidade dos meios necessários para atingir a meta desejada.Tal conjuntura favorece a lei do menor esforço – a comodidade – e enfraquece a lei do maior esforço – a dignidade. Estimula-se, com esse modelo, o pessimismo – a pior das realidades – e inibe o otimismo – o melhor dos mundos. Resultado: a descrença generalizada vem ameaçando o nosso poder de inovação. Sem utopia, não há transformação.



Para que a utopia nasça, é preciso duas condições. A primeira é a forte sensação (ainda que difusa e inarticulada) de que o mundo não está funcionando adequadamente e deve ter seus fundamentos revistos para que se reajuste. A segunda condição é a existência de uma confiança no potencial humano que esteja à altura da tarefa de reformar o mundo, crença esta articulada com a racionalidade capaz de perceber o que está errado com o mundo, saber o que precisa ser modificado, quais são os pontos problemáticos, e ter força e coragem para extirpá-los.



Utopia, nesse sentido, deixa de ser o “não-lugar” para se configurar como a busca de um mundo melhor para se viver. Porém, enquanto houver mais homens-bombas do que homens-pombas, a vida em nosso planeta sofrerá restrições cada vez maiores em termos de qualidade existencial. Ao conservar o espírito bélico que contamina a formação humana, temos reforçado o nosso lado “caçador” e deixado de lado a nossa dimensão de “jardineiros”. Na era pré-moderna, a metáfora que simboliza a presença humana é a do caçador. A principal tarefa do caçador é demarcar território, exterminar ameaças concretas ou imaginárias, reforçar a tese de que o mundo é dos mais fortes, dos mais aptos, dos mais espertos. A ação desse típico competidor repousa sobre a crença de que as coisas estão no seu melhor estágio quando não estão com reparos (ideologia da conservação); de que o mundo é um sistema divino em que cada criatura tem seu lugar legítimo e funcional; e de que mesmo os seres humanos têm habilidades mentais demasiado limitadas para compreender a sabedoria e harmonia da concepção de Deus.



Já no mundo moderno, a metáfora da humanidade é a do jardineiro. O jardineiro não assume que não haveria ordem no mundo, mas que ela depende da constante atenção e esforço de cada um. Os jardineiros sabem bem que tipos de plantas devem e não devem crescer e que tudo está sob seus cuidados. Ele trabalha primeiramente com um arranjo feito em sua cabeça e depois o realiza. Ele força a sua concepção prévia, o seu enredo, incentivando o crescimento de certos tipos de plantas e destruindo aquelas que não são desejáveis, as ervas “daninhas”. É do jardineiro que tendem a sair a legião de utópicos. Se ouvirmos discursos que pregam o fim das utopias, é porque o jardineiro está sendo trocado, novamente, pela ideia do caçador.



Ao se descuidar do global equilíbrio do sistema, os caçadores não consideram que seja de sua responsabilidade garantir a oferta na floresta para outros, que haja reposição do que foi tirado. Se as madeiras de uma floresta forem relativamente esvaziadas pela sua ação, ele acha que pode se deslocar para outra floresta e reiniciar sua atividade. Pode ocorrer aos caçadores que um dia, em um futuro distante e indefinido, o planeta poderia esgotar suas reservas, mas isso não é a sua preocupação imediata, isso não é uma perspectiva sobre a qual um único caçador, ou uma “associação de caçadores”, se sentiria obrigado a refletir, muito menos a fazer qualquer coisa. A única tarefa do caçador é perseguir outros caçadores, matar mais do que o suficiente para garantir o seu reservatório. Nele se encontra o instinto predatório. Isso é o que chamamos de “individualização”. Em oposição a esse modelo de tirania competitiva, precisamos ter a consciência ecológica dos “jardineiros”, destes seres empenhados em cuidar do meio ambiente que começa no meio da gente. Se as pessoas, coletivamente falando, sentissem que o espaço global sustentável se configura como extensão de seus corpos equilibrados, então, o ecossistema, enfim, seria compreendido de maneira autêntica, ou seja, como um belo jardim onde o que se busca não é somente a estética dos ‘espaços de fora’, mas principalmente a poética dos ‘espaços de dentro’. Ao invés de darmos espaço aos caçadores que destroem o mundo a partir de uma “caoslogia” fundamentalista, que tal nós acolhermos a conduta exemplar dos jardineiros que, dialeticamente, nos ensinam a conviver com a “cosmologia” que lê o nosso universo em seu pleno encanto?





Marcos Fabrício Lopes da Silva é Jornalista, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG.

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